Números 1 de fanzines (I) Fanzines sobre BD (I)
Iniciam-se nesta postagem dois novos temas nos fanzines: um deles tem a ver com os números 1 (eventualmente será abrangido algum número zero); o outro incide nos fanzines sobre BD, cujo conteúdo é preenchido maioritariamente por estudos, análises e críticas, tendo por base a banda desenhada.
O exemplar do Nemo Fanzine sobre banda desenhada que aqui se apresenta cumpre ambos os quesitos: é o número 1 (datado de Março de 1986), e os textos que compõem o seu conteúdo têm a ver com os temas indicados anteriormente, como se pode avaliar pelos seguintes títulos dos artigos:
1. Breve Biografia de Winsor McCay o Primeiro Génio da Banda Desenhada
2. Winsor McCay
3. Como se Traduz Banda Desenhada em Portugal
4. Curiosidades (*)
(*) Nota do bloguista: Sobre BD, obviamente.
5. A Reedição de O Caminho do Oriente. A Mais Monumental Banda Desenhada Portuguesa (*)
(*) Nota do bloguista: Esta reedição deve-se ao facto de a Obra-Prima da BD Portuguesa, desenhada por Eduardo Teixeira Coelho, sob argumento de Raul Correia, que tinha sido publicada na revista "O Mosquito", ter sido reeditada em álbum (seis álbuns) em 1983-1984 pela Editorial Futura.
1ª Nota adicional do bloguista: As cores da capa foram pintadas manualmente pelo editor Manuel Caldas em todos os exemplares, numa tiragem de [200] (informações que não constam da ficha técnica).
2ª Nota adicional do bloguista: Os artigos são assinados de diversas formas: M.A., M. Nöel Hantonio, Manuel António, todos pertencentes a Manuel António Barbosa Caldas da Costa.E na ficha técnica há ainda outra variante: Manuel António B.C.Costa
Ficha técnica (reproduzindo o texto inserido no fanzine):
Esta publicação é da inteira responsabilidade de Manuel António B. C. Costa e realiza-se em
R. Alm. Reis, 91 A r/c,
4490 Póvoa de Varzim.
O cabeçalho da capa pertence à prancha de 'Little Nemo in Slumberland' de 2 de Setembro de 1906.
A vinheta da capa é da prancha de 10 de Novembro de 1907 e reproduz-se segundo as cores originais.
Nota do bloguista: As cores da capa foram pintadas manualmente pelo editor Manuel Caldas em todos os exemplares, numa tiragem de [200] (que não consta da ficha técnica).
Formato do zine: A5 - 148x210mm
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O presente bloguista escreveu em Abril de 2011, há quase quatro anos, um artigo dedicado ao editautor Manuel Caldas que foi publicado num fanzine, numa revista ou num jornal (o bloguista G.L. já não se recorda) e que aqui está de novo a publicar (agora num blogue), por uma questão de justa homenagem ao dito editautor, que entretanto criou a sua própria editora.
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Manuel Caldas, editor notável há 25 anos
Em Março de 1986 era lançado o número inicial de um fanzine intitulado Nemo, tendo como temática a BD, editado por um então desconhecido Manuel Caldas, de Póvoa de Varzim.
Três factores positivos chamavam de imediato a atenção: logo de entrada, o título, que remetia para a obra-prima "Little Nemo in Slumberland", além de essa edição inaugural ser-lhe dedicada, incluindo a composição gráfica da capa, sintoma óbvio do elevado nível de conhecimentos sobre banda desenhada daquele, na altura, editor amador, ou seja, faneditor; em seguida ressaltava a cuidada apresentação do fanzine, com invulgar planificação do conteúdo, e a esteticamente agradável diagramação de textos e imagens; em terceiro lugar, um pormenor inusitado, quase insólito: a imagem da capa aparecia colorida manualmente, cópia a cópia, isto em tiragem de duzentos exemplares, denunciador do entusiasmo e carinho com que era editado o zine.
Aliás, escreveria ele (no nº2, 2ª série, Fev. 1990) respondendo em tom irónico a uma crítica: " Só falta aparecer por aí algum tolo irrecuperável a colorir, uma por uma, as dezenas ou centenas de capas dum fanzine (...)"
Outro aspecto que cedo ressaltou tinha a ver com a sua profunda admiração pelo autor Harold Foster e respectiva personagem, Prince Valiant. Esse afecto, incidindo sobretudo na componente artística, sem subalternizar a ficcional, ficou bem patente no quarto número do Nemo (datado de Fevereiro de 1987), com dezasseis páginas dedicadas à famosa série americana, a começar pela capa, ilustrada com a imagem do herói medieval de espada em riste numa dinâmica luta, valorizada por suaves cores aplicadas pelo faneditor em exímia e sensível execução, dando ao objecto gráfico um marcante cariz artesanal.
Sem menosprezar diversos outros temas da sua predilecção - nesse mesmo número Manuel Caldas escreveu dois interessantes textos, um artigo sobre Hergé, usando o pseudónimo M. Nöel Hantónio, e um estudo intitulado "Do 'Jornal da Infância ao Jornal da B.D.' - Cem Anos de Publicações Infanto-Juvenis em Portugal" -, iria ser a saga do Príncipe Valente, daí em diante, e até hoje, a sua paixão mais forte.
Que o levaria a escrever, em 1986, o artigo "Na Origem do Prince Valiant", publicado no álbum nº 16 da "Antologia da BD Clássica", da Editorial Futura, e a fazer uma "Edição Extraordinária do Fanzine Nemo" (Dez. 1987) com o título "1937-1987 Os 50 Anos de Prince Valiant", desta vez voltando a assinar M. Nöel António.
Assim foram os primeiros passos, bem seguros, deste estudioso, que ia acumulando sapiência e documentação sobre um tema que desde muito jovem o fascinava.
Atingiria finalmente, como escritor e editor, o mais elevado patamar, ao redigir e editar a obra de grande fôlego "Foster e Val", num livro em formato A4, com 172 páginas, edição de autor datada de Setembro de 1989, que teve 2ª edição em 1993, sob a chancela Edições Emecê, e uma terceira em 2006, com dimensões enormes (34x26,5cm) e novo título "Os Trabalhos e os Dias do Criador do Prince Valiant", baseando-se nesta última versão, e no mesmo formato, uma edição em castelhano datada de 2007.
O prefácio ao livro, constante das duas primeiras edições em português, escrito pelo mesmo autor destas linhas, termina com as seguintes palavras:
"(...) Quanto à justeza da sua auto-definição de 'entusiasta número um' do Príncipe Valente (enquanto obra maior da Figuração Narrativa, obviamente), é bem provável que corresponda à realidade, se se tiver em conta que um catraio de nome Manuel, ainda rondava os dez anos e já começava a coleccionar a colorida página dominical do matutino portuense O Primeiro de Janeiro onde, desde 19 de Abril de 1959, se mostrava a saga daquele herói da BD. Ou seja: pouco antes de nascer, a 6 de Agosto desse mesmo ano, em Paredes de Coura, Manuel António Barbosa Caldas da Costa. O mesmo que viria a ser conhecido por Manuel Caldas, "nome de guerra" de um invulgar estudioso de Banda Desenhada, eficaz prosador, honesto biógrafo, e também - considerando as bem conseguidas, qualitativamente falando, experiências editoriais que constituem o fanzine Nemo e este livro - um assaz surpreendente editor-aprendiz."
E a aprendizagem foi de tipo autodidacta, gradual, rigorosa e profícua, até chegar ao nível de editor profissional, com a criação da chancela "Livros de Papel", e com ela começar a apresentar, em Março de 2005, a extraordinária edição "Príncipe Valente Nos Tempos do Rei Artur", fruto de um espantoso trabalho de recuperação da obra original, a partir de cópias fornecidas pela agência americana King Features Syndicate.
O volume inicial, em formato de grande dimensão (35x27cm), próximo do usado nas Sunday pages dos jornais americanos de formato standard, incluía, estrategicamente, as pranchas publicadas entre 1943 e 1944, evitando o novel editor repetir o que tinha sido feito antes por outras editoras, deixando para mais tarde a reprodução das pranchas a partir de 1937, ano em que surgiu a obra de Harold Foster.
Manuel Caldas, após trabalho hercúleo levado a cabo sozinho, concretizava assim um sonho acalentado durante anos. Infelizmente, por ter tido necessidade de se associar com um livreiro de Lisboa, por motivos económicos e logísticos, e após desentendimento irreversível e insanável com esse sócio - litígio ainda em tribunal - ficou a certa altura arredado do projecto e da tarefa, com tanta paixão iniciada, e que ninguém a fará tão bem quanto ele.
Apesar do desgosto sofrido - compreensível em alguém a quem tiraram à força um amor de infância -, a sua pulsão editorial manteve-se e tem continuado a manifestar-se em diversos livros dedicados a outras personagens de BD de que gosta, designadamente Lance, Hagar, Krazy+Ignatz+Pupp, Tarzan dos Macacos, Dot & Dash e Ferd'nand.
Sob a sua nova chancela Libri Impressi surgiu nos escaparates, em Maio de 2010, a notável obra de figuração narrativa "Kin-der-Kids", da autoria de Lyonel Feininger, que por tradução dum tal Nuno Neves (outro pseudónimo do Caldas) ficou aportuguesada para "Os Meninos Kin-der". Trata-se, mais uma vez, de impressionante recuperação das pranchas originais, trabalho realizado por alguém classificável como ourives gráfico, cujas meticulosidade e perfeccionismo deslumbram os mais exigentes críticos e especialistas.
Mas nem só na BD se distingue a Libri Impressi: a apurada sensibilidade do seu único responsável e executante leva-o a seleccionar outro tipo de obras, como aconteceu em Dezembro de 2010 com "O Livro do Buraco" ("The Hole Book"), obra excepcional do americano Peter Newell, autor do texto e das deliciosas imagens, livro editado com qualidade gráfica única.
Manuel Caldas acumulou o trabalho da edição com a tarefa de traduzir o texto inglês em verso (embora na ficha técnica volte a constar como tradutor o já antes citado "Nuno Neves"), de forma a também rimar em português.
Leia-se a primeira quadra: "Tomás Potts com uma pistola/ Brincava alheio à tolice/ Pum - faz a arma com estrondo / Sem que o menino o previsse", e a qudragésima nona, e última: "Foi uma sorte para o Tomás Potts/ Que dera o tiro quando brincava:/ Se desse ao mundo a bala a volta/ Acertar-lhe-ia lá onde estava".
Mais uma faceta digna de registo.
Aliás, em tudo o que Manuel Caldas tem feito, com início no fanzine Nemo, destacam-se qualidades singulares: evidente fluência na escrita, absoluto rigor em todos os dados cronológicos e biográficos, criteriosa selecção de imagens - para ilustrar desde os simples artigos aos seus extensos e bem elaborados estudos -, elevada destreza manual necessária na recuperação de imagens, além de espontânea e exemplar capacidade editorial.
Geraldes Lino
Abril 2011
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